Sérgio Biagi Gregório
Frustração faz
crescer
São José do
Rio Preto, 26 de outubro de 2008
Renata
Fernandes
A privação ou ausência de algum desejo ou necessidade gera frustração. É
fato. O modo como se lida com essa realidade é que faz a diferença entre
quem sofre ou evolui emocionalmente. A reação positiva ou negativa de
cada indivíduo aos ‘nãos’ da vida, em geral, é determinada na infância.
Condição, entretanto, que não impede a mudança de comportamento na fase
adulta. Na opinião de Sérgio Biagi Gregório, presidente do Centro
Espírita Ismael, a falta de uma educação filosófica e religiosa mais
realista faz com que muitas pessoas tenham alto índice à baixa
frustração. Ele diz que na antiga Grécia, por exemplo, as crianças eram
educadas para enfrentar o desconforto, inclusive tinham de dormir em
camas duras. Gregório também cita que na doutrina espírita se aprende
que o acaso não existe. “Se pudéssemos perceber, ainda que de relance,
que cada um está colocado no devido lugar e, que no momento não há outro
melhor, com certeza administraríamos melhor a frustração”, afirma.
Aliás, independentemente da religião ou filosofia de vida, pessoas que
possuem fé em algo superior tendem a sofrer menos com as frustrações, de
acordo com especialistas em comportamento. O filósofo francês Henri
Bergson dizia que ao colocar uma pessoa no meio de uma floresta sozinha,
sem ninguém para guiá-la, obviamente essa pessoa tem de tomar uma
decisão. Com essa analogia, Gregório afirma que as pessoas deveriam
fazer o mesmo diante das frustrações: enfrentá-las. Inclusive, vale
lembrar que todos são responsáveis pelas escolhas feitas na vida, no
entanto, poucos - ao se frustrar - lembram que a maioria das frustrações
ocorre em decorrência de escolhas feitas anteriormente. Gregório
ressalta que a frustração é o choque entre o desejo e a realidade
imutável. Por isso, ao limitar os próprios desejos as escolhas
decorrentes deles evitarão transtornos da negação daquilo que foi
desejado.
“Há um ditado que diz: ‘o que os olhos não vêem, o coração não sente’.
Desse modo, se nossos olhos não captarem certas imagens estaremos livres
das emoções que delas surgem”, comenta. Deixar de vivenciar certas
situações ou sentimentos por medo da frustração futura, no entanto,
também pode ser frustrante, segundo a psicóloga Luciane Kozicz Reis
Araujo, da Universidade de Brasília (UnB). Ela afirma que isso torna os
seres humanos ‘meio robotizados’. “Viver sem criar expectativas com
receio das frustrações nos torna peças de uma engrenagem desprovida de
alma.” Para exemplificar essa condição Luciana cita o livro de 1817
escrito por Mary Shelley: “Frankenstein”, em que a autora conta a
história do jovem cientista Victor Frankenstein, que resolve fabricar um
ser humano sem alma, ao montar pedaços de cadáveres apanhados em
cemitérios ou câmaras mortuárias.
Uma vez criado, entretanto, o monstro se humaniza e pede ao seu criador
uma mulher à sua imagem. O relato do médico que criou o Frankenstein
após o resultado da sua experiência foi: “o que foi que eu fiz? A
criatura tem múltiplos defeitos de nascença, força física muito
acentuada, é deficiente, um ser patético. É preciso que morra. As
experiências estão encerradas.” Assim, Luciana informa que deixar de
experienciar situações ou sentimentos pelo medo de se frustrar pode dar
às pessoas a falsa ilusão de que tudo pode ser perfeito. “Como
Frankenstein, qualquer aberração pode ser excluída, tendo de se esconder
nas sombras, sem ter a possibilidade de ter amigos, pais e família.”
Gregório enfatiza que a melhor maneira de administrar a frustração é
aplicar o que Sócrates já dizia: “conhece-te a ti mesmo”. Além disso,
ele recomenda higiene mental, passeio ao ar livre e fretqüentar reuniões
religiosas, entre outros.
Vença o medo
da frustração para ser melhor e mais feliz
Vencer a imobilidade, a procrastinação e o medo de se frustrar dá
trabalho, mas vale a pena. Tanto que o filósofo indiano Jiddu
Krishnamurti pregava a importância de as pessoas em vez de querer
expulsar o medo violentamente tomarem consciência dele, inclusive o
de se frustrar. Para entender melhor como funciona o mecanismo da
frustração, confira a entrevista a seguir com a psicóloga Luciane
Kozicz Reis Araujo, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Saúde e Trabalho (Gepsat), membro do Laboratório de Psicodinâmica e
Clínica do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB) e consultora
no Ministério da Saúde, entre outras atividades.
Diário - Quais os tipos de frustração? Na sua opinião, qual
delas é a pior? Por quê?
Luciane Kozicz Reis Araujo - A frustração refere-se ao estado
de um indivíduo que se encontra na incapacidade de obter o objeto da
satisfação que almeja. Não sei se podemos definir um tipo pior, pois
ela está presente no cotidiano e dependerá de como cada pessoa
transita diante das próprias perdas. Os tipos são os mais variados e
surgem desde as situações da infância, como o colega se apossar de
um brinquedo desejado, até de estados patológicos, como depressão
e/ou anorexia instaurados no organismo devido não saber lidar com o
desemprego ou a perda de um ente querido e até por não ter o corpo
dos sonhos, entre outros.
Diário - O que faz com que algumas pessoas tenham baixa
tolerância à frustração?
Luciana - Do ponto de vista psicanalítico, o que constitui o
nosso eu é a falta. O psicanalista Sigmund Freud dizia, num de seus
clássicos, “O mal-estar da Civilização”, que as três feridas
narcísicas da humanidade são: o poder superior da natureza, a
fragilidade de nossos próprios corpos e a inadequação das regras que
procuram ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na
família, no Estado e na sociedade. Desse modo, quem aceita os
próprios limites e reconhece a impotência diante da vida que se
apresenta é que lida melhor com a frustração. Ao contrário, pessoas
que só acreditam na felicidade, ao buscar a completude o tempo
inteiro, seja por meio de um corpo perfeito ou relações amorosas
cinematográficas, assim como a excelência profissional, lidam pior
quando algo não funciona. Afinal, é impossível tudo funcionar 100%
bem ou da forma ‘correta’ o tempo inteiro. Por isso, nessa sociedade
contemporânea há a tendência dessas pessoas se tornarem adictas das
mais variadas drogas para suportar seu limite.
Diário - O que devem fazer para lidar melhor com isso?
Luciana - É necessário se saber humano. Se entregar para tudo
o que o viver proporciona. Saber chorar e comunicar a dor também é
uma grande vitória.
Diário - Qual o lado positivo de se frustrar? Por quê?
Luciana - É o que nos propicia movimento e nos torna
desejantes. Se não tivéssemos passado pela frustração desde o
nascimento não estaríamos na condição de seres falantes. Nascemos e
recebemos o peito, privados do peito, o choro, e assim por diante.
Ou seja, é desse momento de ausência que estabelecemos o contato com
o mundo e nos desenvolvemos. Pessoas que negam a frustração têm
dificuldade em se tornar hábeis e criativas para lidar com as
diferenças. A tendência é se tornarem “máquinas” talentosas, pois
não lidam com situações reais e, sim, à utopia.
Diário - É possível evitar as frustrações ao fazer as
escolhas?
Luciana - As frustrações fazem parte do dia-a-dia. O que pode
nos tornar pessoas mais felizes é ir em busca do nosso desejo e
reconhecer nossa singularidade diante de um mundo que prega a
uniformidade.
Diário - Por que vencer a imobilidade, a frustração e o medo
de se frustrar dá trabalho?
Luciana - Porque é preciso vivenciar esse turbilhão de
sentimentos que tomam conta de nós quando algo sai fora do
idealizado, quando o objeto que preencheria nosso vazio escapa.
Vencer a imobilidade e o medo de se frustrar obriga o indivíduo a
sair da acomodação conveniente. A dor costuma ser motivo de muitas
interrogações por todos aqueles preocupados com o sofrimento humano
porque está exposta. É a dor, tanto em sua expressão física como
psíquica (sofrimento), que pode levar uma pessoa a procurar ajuda.
Assim, quando o corpo manifesta existe um alerta sobre a ameaça que
a perda da capacidade de sentir e representar traz para a
integridade psíquica e biológica ao impossibilitar o indivíduo de
refletir e agir frente à ameaça de desequilíbrio.
Diário - Qual a melhor maneira de administrar as frustrações?
Luciana - Falar sobre elas, reconhecê-las.
Diário - Existe relação entre frustração e espiritualidade?
Qual? Por quê?
Luciana - A vida em alguns momentos é árdua demais e
proporciona muito sofrimento, decepções e tarefas impossíveis.
Assim, muitas pessoas procuram satisfações substitutivas, tais como
a arte e a religiosidade, entre outras. A religiosidade (vou chamar
assim a espiritualidade) está relacionada com a frustração pela
realização de uma promessa. Para se livrar do vazio existencial o
ser humano sentiu a necessidade de colocar a responsabilidade deste
mal-estar em um ser superior, onipotente e que não fracassa. Desse
modo, não é preciso entrar em contato com a impotência. É possível
fechar os olhos perante si mesmo, já que afinal tudo está nas mãos
de um “todo-poderoso”. Nesta perspectiva, o homem de fé é
necessariamente um homem dependente de uma promessa, alguém que não
consegue determinar sua vontade. Ele não se pertence, tem
necessidade de que alguém o consuma. Necessita de um conjunto de
regras que o regule. As religiões ocupam o lugar deste vazio, pois o
homem que não está decidido a escutar a si mesmo, a não conviver
consigo, necessita enclausurar-se atrás de uma muralha. Enfim,
garantir-se pelo desespero do seu pecado contra qualquer surpresa ou
perseguição por parte do bem. O inapreensível é capturado num signo
que o paralisa, recorta e aprisiona: doravante, alguém de fora dará
as garantias. Com a promessa instaurada, a linguagem, isto é, o
tornar comum, reduz aquilo que consigo partilhar com o outro: o
igualitário e uniformizante. Há uma impossibilidade de descarga de
energias e afetos em direção ao exterior, pois não consegue se
desembaraçar de impressões vividas, em especial as de desprazer e
dor. Deste modo, o “crente” se volta para uma causa externa
“culpada” pelo sofrimento, a descarga de um afeto tônico, para
apagar da consciência a marca da dor vivenciada, fazendo-a se
esquecer do infortúnio e liberando para novas impressões.
Diário - Por que dependendo do grau da frustração ela diminui
a imunidade do organismo e até causa desânimo e depressão?
Luciana - Indivíduos mais propícios à tristeza excessiva e à
dificuldade em sair do imobilismo são os que negam constantemente
suas perdas e fantasiam em excesso a própria realidade. Lutam o
tempo inteiro com o mundo externo até chegar ao limite do corpo. O
índice de adoecimento pode estar relacionado a essas lutas
excessivas sem retorno. Percebe-se um embrutecimento do desejo, em
que a criatividade ficou paralisada, impedida de se manifestar. É
como se em um certo lugar do indivíduo existisse um único caminho,
que é o corpo para manifestar.
Diário - Pode dar algumas dicas sobre como evitar a
frustração (se é que é possível) e/ou sobre qual o melhor meio de
enfrentar o medo de se frustrar?
Luciana - A frustração é fundamental para o nosso
crescimento. Evitá-la seria postergar o contato com essa falta que
constitui o ser humano. A habilidade está em transitar pelas
vitórias e derrotas e saber que nossa potência não está presente o
tempo inteiro em todas as situações.
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